segunda-feira, 10 de maio de 2021

 

Edith e Nélson

 

Quando o garoto era bem pequeno,

sentado à mesa da cozinha,

no caderno de folhas costuradas com capricho,

repetia com a cartilha - Eva vê a uva.

 

E havia trilha sonora:

o som do alho refogado,

o chiado da cebola dourando,

o toc-toc do feijão socado na panela.

Ah, que perfume!

O garoto suspirava longo,

engolia a água na boca

e escrevia – O Ivo viu a uva.

 

O menino cresceu

e foi para a escola do bairro.

Lá encontrou a Edith.

Quando aquele cabelo negro se soltava do coque

e se derramava aos poucos além dos ombros,

ah, libidinoso pensamento do guri,

Dona Edith, o encantamento do primeiro amor.

 

Mais cinco anos,

o encontro foi com o Nélson

que o fez vencer em Trafalgar.

Através dele descobriu a voz da palavra em bons textos,

perdeu a cerimônia

e pela primeira vez poetizou quatorze versos,

em rima indigente, a bem da verdade,

cujo título só podia ser

- com o fluxo de quem pensou ser poeta -

e em letras gigantes, na testa da folha,

Soneto.