segunda-feira, 10 de maio de 2021

 

Edith e Nélson

 

Quando o garoto era bem pequeno,

sentado à mesa da cozinha,

no caderno de folhas costuradas com capricho,

repetia com a cartilha - Eva vê a uva.

 

E havia trilha sonora:

o som do alho refogado,

o chiado da cebola dourando,

o toc-toc do feijão socado na panela.

Ah, que perfume!

O garoto suspirava longo,

engolia a água na boca

e escrevia – O Ivo viu a uva.

 

O menino cresceu

e foi para a escola do bairro.

Lá encontrou a Edith.

Quando aquele cabelo negro se soltava do coque

e se derramava aos poucos além dos ombros,

ah, libidinoso pensamento do guri,

Dona Edith, o encantamento do primeiro amor.

 

Mais cinco anos,

o encontro foi com o Nélson

que o fez vencer em Trafalgar.

Através dele descobriu a voz da palavra em bons textos,

perdeu a cerimônia

e pela primeira vez poetizou quatorze versos,

em rima indigente, a bem da verdade,

cujo título só podia ser

- com o fluxo de quem pensou ser poeta -

e em letras gigantes, na testa da folha,

Soneto.

 

sexta-feira, 14 de abril de 2017

BÊNÇÃO





                                                             

                                                            

 Esses vivem as etapas da transcendência,            
                                                    do ir além;                                                         
                     sobem os degraus da criação,
                                         da ética e da arte.

               Protagonistas da amizade-doação
                                    nutrem o nascimento,
                                          move-se a mente;
                                                nutrem a vida,
                                 com tombos e levantes;                           
                                    quanto ao ponto final,
                                  o assunto é do cosmo.

                                 Retiram sua alma de si,
                                                 ensinam-nos
                       a não termos medo da morte.
                                                            Puros
                               impregnam-nos de amor

                                As palavras fazem psiu
                                       para os incrédulos.                    

Menina no Palco








Pela primeira vez
a menina foi à escola.
Seu jeito atrevido
criou a perspectiva,
como bem preparada,
de que iria sorrir.

A verdade do rio
e o segredo do curso
escondem-se nesse primeiro dia.
É uma água que corre,
que vai, que vai pra lá,
vai aonde?
Há expectativa:
a mãe recebe um aceno,
espera a filha chorar de medo
ou de saudade.

Não saí de mim,
não chorei,
não segurei o sorriso
de que enganei os bobos na casca do ovo.

Comigo aconteceu o inventado:
curti os colegas, os dedoches do teatrinho,
até a tia achei legal.
Ainda não sei o nome dela.

Os adultos são engraçados,
mostram a mochila multicor,
a lancheira daquele filme digital
e outros badulaques
que não sei bem pra que servem.
Tudo isso é pra eu brincar com as panelinhas?

Me esqueci,
quase,
teve a hora do recreio
e gostei.

As palavras que não digo
propagam o silêncio bom,
e os pais,
imersos no mundo dos medos,
alheios ao meu,
neste agora tristes:
- Nem sentiu falta de nós.
Nesse depois, alegres:
- Chorou, quando se acostumará?

Tenho dois anos,
estou na bola de sabão.
Penso fora do eixo,
sou um robozinho,
nem ainda fiz xixi na escola;
rio e gargalho
até com as caretas e piruetas do irmão,
que já é um adulto,
tem sete anos.

Sou a tal menina no palco.
Amanhã vou de novo.
Essa escola é de todo dia?
Igual ao trabalho da mamãe?
Acho que assim,
não sei não...









sábado, 11 de fevereiro de 2017

Ver e Sentir







Cada um de nós
tem um momento
que arrepia.

O gato
antevê o cão
e cai
nas quatro patas,
na inércia.
O cão
adivinha o outro
antes de vê-lo
e não sabe
se é perigo
ou sexo.
Não se quer ver a mulher
que cansa da lida,
da mesmice,
da cobrança:
a blusa está um lixo,
o feijão está sem sal...
Não se quer sentir
medo do genro
que infelicita a filha;
da nora
que adoece o filho;
da filha e do filho
que escasseiam
a água do jardim.
Por que a morte sublima?
Porque é consequência.
Por que o medo locupleta-se
e vai além?
Porque sim.

 Não se quer ver
o medo da dor;
da estagnação
da vida do outro que se esvai;
da cena repetida
do riso que compromete.

Não se quer ver
o filho ladrão
da confiança
do sonho
da esperança.
Não se quer sentir
medo
da alma sem invólucro,
do corpo sem roupa,
da cara sem filtro.

Não se quer sentir
o medo
do desconhecido encontro consigo mesmo;
do sair da própria casa sem janelas;
da carranca do sonho da noite;
da realidade que não se pode domar.

Não se quer o medo novo,
diário,
sem fim.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Não sabia das coisas deste mundo







A vida desmascara-se
diante do homem.
Sem dó tira-o do prumo,
desgoverna-o.
Ela tem uma só face.


Assediou a vida por felicidade
e nunca atinou
que ela é o ato de perseguir.


Buscou a trilha da solidariedade,
encontrou a aceitação
o amar sem retorno
a felicidade pelo outro
a humildade.
Não se preocupava em entender,
porque não era isso que queria sentir.


Quando percebeu a ira,
descobriu a entranha da palavra,
veio com ela
a imprevisibilidade da expectativa.
Desistiu da ânsia de acertar.


Como não era poeta
não havia o avesso de nada
para ser entendido.
Buscou o silêncio
que é a boa fuga.




domingo, 22 de janeiro de 2017

Não há poesia






Seu devaneio
não é que eu o continuei?
Eis a entrada do Jardim do Éden.
Achei-a no acaso
sob a fluidez do sono.

Foi isso que vislumbrei:
beleza cênica
frutas vermelhas em terra fértil
para a delícia do contrato-mágico
em atividade com as mãos
de que se gosta.

Onde se encontra esse recanto?

Só você sabe.
Só você
sem busca encontrará.

Lá nos veremos:
numa gota da chuva
num grão dessa terra
numa luz do nascente
num abstrato até.













domingo, 25 de dezembro de 2016

De cara triste




De peito magoado e de cara triste,
cá estou,
com a vaidade, o orgulho, a palavra.

A vaidade quero-a longe, quero.
O orgulho conservo-o, conservo.
A palavra digo-a à outra palavra.

Não me lembro de um dia
crer em Papai Noel.
Recordo-me que fingi acreditar
e o revólver com o cinturão e a cartucheira
nunca vieram.

Mas havia o peru assado na padaria
que o tio do Espírito Santo mandava
para ser embriagado antes do corte.

Diziam que era para a carne ficar macia
e eu achava que eram duas maldades.

Neste ano,
contrariando o prognóstico de caos para as gentes,
faça como antes nunca fiz,
ponha sua sandália
num cantinho com simpatia.