Edith e Nélson
Quando o garoto era bem pequeno,
sentado à mesa da cozinha,
no caderno de folhas costuradas com capricho,
repetia com a cartilha - Eva vê a uva.
E havia trilha sonora:
o som do alho refogado,
o chiado da cebola dourando,
o toc-toc do feijão socado na panela.
Ah, que perfume!
O garoto suspirava longo,
engolia a água na boca
e escrevia – O Ivo
viu a uva.
O menino cresceu
e foi para a escola do bairro.
Lá encontrou a Edith.
Quando aquele cabelo negro se soltava do coque
e se derramava aos poucos além dos ombros,
ah, libidinoso pensamento do guri,
Dona Edith, o encantamento do primeiro amor.
Mais cinco anos,
o encontro foi com o Nélson
que o fez vencer em Trafalgar.
Através dele descobriu a voz da palavra em bons textos,
perdeu a cerimônia
e pela primeira vez poetizou quatorze versos,
em rima indigente, a bem da verdade,
cujo título só podia ser
- com o fluxo de quem pensou ser poeta -
e em letras gigantes, na testa da folha,
Soneto.