terça-feira, 3 de maio de 2016

OS URSOS E NÓS OU VICE-VERSA


O urso pardo, no final da tarde, recostado numa grande pedra ainda quente pelo sol, alisava o barrigão.

Com ele, falava aos berros outro urso também corpulento que cultivava uma barba densa e dourada. Era vaidoso, tinha o porte elegante, quase 3m e pesava cerca de 300kg. Bem-apessoado. E ele ruminava as frases: você comeu quase tudo, o dianteiro e o traseiro, nem esperou assar direito o cabrito, um cabritãozão.

Eu estava morrendo de fome, retrucou o pachorrento. Pode comer toda a sobremesa. Se você jantar a carcaça com esse coelho gordo que você trouxe, vai ficar igual ao que eu comi. Talvez até mais.

Cara-de-pau, sobrou só um pedaço da carcaça, quase sem carne e crua. Gosto é de assado, bem dourado. O coelho está como eu trouxe, no pelo ainda. Vou ter que esperar assar. Não é justo: eu cacei e estou com mais fome que você estava, porque eu corri atrás dos bichos, eu fiz a força. Você merece uma porrada bem dada.

É?! Mas você não é macho pra isso. Está fraco, com fome, cansado e sabe o que mais, vou pra minha gruta e dormir por sete meses.

Não vai mesmo, respondeu com uma bocada na barriga do companheiro. Os dois não cresceram juntos, se é que adiantaria, um veio do Alasca e o outro da Sibéria. A família do urso pardo está espalhada pelo planeta. Vive também nos Estados Unidos, México e China. Mas isso não interessa agora.

O urso caçador urrava frases ameaçadoras. Foi a pior coisa do mundo eu hoje topar com você! Você mata nossos irmãos para tomar-lhes a caça e até as mulheres. Finge que protege os desvalidos, que se importa com os mais fracos. Mata e rouba os nossos iguais pra não caçar. Ladrão! Cretino! Só pensa em você! Não respeita o espaço dos outros, fascista!

O outro ficou de pé. Tinha por baixo uns 4m e pesava 500kg ou mais.

Previu o que aconteceu? Pois ele abraçou o barbudo e abocanhou-lhe um baita pedaço da pata esquerda. Essa bocada não o matou, mas foi moral. O antagonista recuou.

Ah, ele não comeu o naco da pata do irmão. Cuspiu-o e foi embora para a gruta. Estava com muito sono.

Assim como os ursos, bem diferentes de nós, as pessoas andam mal-humoradas. Os diálogos rancorosos viram bate-boca. Dão origem a troca de ofensas, às vezes, até troca de bofetões e cusparadas. Está difícil acatar a opinião contrária à nossa.

A imunologia do brasileiro anda em baixa. Ele precisa de outra proteína agregada à H1N1. Melhor seria H1N1C1. Precisa-se de urgente civilidade. Afinal, somos os racionais.

“Por Deus, pela minha família”, por?

Por que não pelas minhas tênues convicções?

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