domingo, 25 de dezembro de 2016

De cara triste




De peito magoado e de cara triste,
cá estou,
com a vaidade, o orgulho, a palavra.

A vaidade quero-a longe, quero.
O orgulho conservo-o, conservo.
A palavra digo-a à outra palavra.

Não me lembro de um dia
crer em Papai Noel.
Recordo-me que fingi acreditar
e o revólver com o cinturão e a cartucheira
nunca vieram.

Mas havia o peru assado na padaria
que o tio do Espírito Santo mandava
para ser embriagado antes do corte.

Diziam que era para a carne ficar macia
e eu achava que eram duas maldades.

Neste ano,
contrariando o prognóstico de caos para as gentes,
faça como antes nunca fiz,
ponha sua sandália
num cantinho com simpatia.




domingo, 6 de novembro de 2016

A menina Mietta Floresta

       DEZ


      Amava gravar vídeos
      seu sonho era ser uma youtuber,
      ter seguidores e livro intimista publicado.
      - Inscreva-se no meu canal!
      - Não te iludas
      isso vai sair de moda.
      Sorria e nada ouvia,
      viajava nas conchas
      que escolhia na praia.
      

      VINTE


      Pesquisava na internet:                                                                            
      o feto fala, Fo.           
      Declarações subversivas
      textos antropofágicos
      ódio à burguesia claustrofóbica
      densidade nos argumentos
      - arte é posse -
      escreveria, diria, Dario,
      livre, liberdade!


      Muitos seguidores
      e mais depressa,
      policiamento, censura, ofensa,
      propostas de sexo virtual...
      As sensações de medo
      intensificavam o sono com enredo,
      sonhos eram proibidos.
      Sua única partida
      o álcool qualificado, a cannabis,
      sem coca,
      nunca, é a heroína.


      Ordenava à mente
      dorme tanto quanto possível.
      Ela desobedecia.
      Com o cansaço do eu sujeito,
      ela virava objeto.
      Para seus olhos meio molhados,
      o que não era percebido
      sabia que não podia fazer.
      Tudo está
      no insondável dos olhos.
      Fugia do espaço da autencidade
      da sensação de pertencimento de si mesmo
      da benevolente idade,
      quando tudo então parecia verdade,
      quando tudo então era possível adiar.


      TRINTA


      Chegara ao mundo
      dos que negociavam consigo mesmo,
      punha beatitude na expressão,
      fazia aflorar as expectativas da alma.
      Era mulher fora do comum,
      educada como se fosse um homem.
      Tudo parecia melhor,
      mantinha com benevolência
      a distância do espaço da pantomima.


     Trinta anos de esperança,
      os matizes do passado
      seus olhos não mais viam.
      Navegava
      não encalhava no que estava por vir,
      - no destino -
      declarava nos ventos
      que a liberdade era a sua palavra de ordem,
      liberdade de vestir, de dizer,
      de ignorar falas.


      Na casa limpa do puro,
      escrevia e falava,
      mas devagar percebia,
      que esse mundo sem ouvintes,
      dava um sono.


      QUARENTA


      Quarenta anos... e cinco.
      Agora sou Fulana de Tal.
      Como minha vida está condicional,
      fica definida a vontade
      de estar em outro lugar.


P. S. – Afinidades com: Dario Fo
                                        Mietta Santiago
                                        Nísia Floresta     


quarta-feira, 12 de outubro de 2016

SHINGO ...

                                                                                                                                 
Shingo,
com seu jeito oriental
sem herança cristã e iluminista
longe da mediocridade extremada
das garras do politicamente correto...
ah, queria ser igual a você:
ver, ouvir, pensar e não falar.
Irracionalizar-me.

Você não crê no universalismo em ascensão,
não busca o racionalismo
no mundo da futura impossibilidade,
não tem ideia sobre a teoria da libertação,
não entende o que é consciência social,
sabe que a natureza não o respeita;
e entre os seus nãos
há simplórios sins:
a preservação lírica do seu jardim
na hortelã, no alecrim, na camomila, no girassol.

Você escuta o som da praia
sabe sobre a vida
reflete sobre as gentes
não se vitimiza com explosões arrependidas.
Com temperança e mudez,
você silencia o remorso
serpenteia em sua vida
vive fórmulas secas
encontra os desvãos,
sempre tem extras para esgotar.
Você é ficção.
Em que livro eu li você?

segunda-feira, 26 de setembro de 2016

DESOPOSIÇÃO



     
     



 Sol e lua
 dia a dia
 desumanos
 não apagam
 incomodam.

Sol e lua
- a magnitude que se opõe -
como antagonistas
fazem diferente o caminho
abrem o alçapão:
um magnifica a vida,
a outra é o feitiço do momento.

Ele não é melhor que ela,
sob eles,
você despenca
adentra no vale do inconsciente
das intenções na folha cópia
mais e mais
enterra seus pés na terra úmida
desativa-se.

 Aí chegam às lembranças as descontinuidades
e você professa o que disse
e o que não disse,
o que ouviu
e o que não ouviu.      
    
E o choro que não vem
traz à lembrança os cenários   
atrai a saudade       
justifica o benquerer.
É pior que a morte.

Sol e lua
venta o tempo
e chegam em desoposição
o sorriso
a gargalhada
o instante do gozo.
É um instante.
Nada entendo.
Vou.
Aonde estou
não há respostas.     

   

terça-feira, 9 de agosto de 2016

Noventa Graus






O coqueiro cresce para ficar reto, 

a retidão sem perfeccionismo.

Melhor, 

sem ser um obstinado

igual ao homem

se adapta.


O coqueiro curva

frente ao mar.

É o vento forte lá de onde?

Conserva sua retidão

sem compromisso,

pouco se importa

sedutor,

na bigamia com o sol e a chuva

no cibernético noventa graus,

nem percebe

a curva proximal do homem

no seu plano verdade.


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Confessionário: de todos os meus pecados peço perdão





        



CONFESSIONÁRIO:
DE TODOS OS MEUS PECADOS PEÇO PERDÃO

     Começamos pela leitura do que os outros pensam. Até aí, nos é negado grande parte do que pensamos quando lemos.

        Passamos a ler mais rápido. Pulamos trechos. Ou nos abstraímos e nos exportamos da trama. Por um tempo, lemos as palavras e nem sabemos o que estamos lendo. O pensar submerge. Frases desconexas. Seguimos ou voltamos. No espírito pouco sobra, porque as coisas ficam umas sobre as outras.

     Bom é ler a palavra para construir a personalidade que você lhe dá, mas eu escorrego, levo tombos, fraturo-me. E ela, sobre o papel, tem identidade, independência, não se abala com o livro que tombou, que sob o chão, inerte, aberto, folhas amassadas, alisadas no dia seguinte pelo ledor envergonhado que não comenta, que não se declara culpado. Não há culpa, teve sono.

        E ele se diz: livro, mesmo o de encantamento, é sonífero; livro faz a viagem acompanhado.
             

domingo, 3 de julho de 2016

Flor de Sol

Seja vulgar
não acompanhe
contrarie
nasça no poente
esteja na amoralidade a sua essência
no contrário o amarelo da sua natureza
na ilogicidade a desimportância da treva.




Por que me ignora?
Você multicolore
diz que ela em sua completude
subtrai os animais
musicaliza a semente do pássaro
enterra as mãos na terra
encanta a loucura sob o Sol
na dimensão que só você sente
no ópio da sensatez da palavra desfraseada do quase anjo.

Descobri o seu alimento
leio em cada pétala
a convergência da luz e da escuridão.
São ele e ela
seu invento
vejo em cada pétala
sob o Sol.                                                                                                             
                                                                         

sexta-feira, 17 de junho de 2016

CHAVE

Escrever
o sair de mim
o iniciar de novo
a coisa mais importante
mesmo em o privilégio da metáfora
não é nesse caso o eu do tudo.

O cigarro foi
os óculos foram
sem os necessitar
os agentes do meu mundo protetor.



O pensar que não tem olhos
o confabular com o só
tudo 
é o barulho da chave que não abre.
                                                                                                         

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Deus e meu deus


                        
                               




Tenho obsessão pela vida.
Meu álter ego
diz que vivo o momento.
É mentira.
Ponho a morte
que há muito não me amedronta
longe de mim.

Sou cristão
assim fui criado.
Esse é o lugar comum
do pânico com a dor,
do medo do inferno.

Beijava-se a mão do padre
santificava-se o papa
antes e depois da morte.
Ele é um santinho!

Padre sem casamento
é o onanismo na vida.
Filhos, homossexualismo,
pecados em éter.

Fui bom aluno do catecismo.
Fiz a primeira comunhão.
Meu deus é o paradoxo daquele Deus.
Mas rezo na aflição do medo
as duas orações de que não me esqueço.
De sobra,
a essência interrogativa:
a antítese do menino.                                                                                                              

terça-feira, 24 de maio de 2016

AMAMENTAÇÃO


A seiva do amor,
o paraíso da delícia,
no jardim, na planície,
alimenta por toda a vida
sem data de fim.

De pronto brota a árvore do conhecimento
com a troca entre duas mulheres
que se completam por etéreos materialismos.

E não perdem a individualidade.

Mãe hoje, avó amanhã,
a filha completa o caminho da permanência
e outra seiva correrá
na filha que será neta.

Bem-dito é o ciclo do sonho.





Malu e Pat em 04/07

quarta-feira, 11 de maio de 2016

terça-feira, 10 de maio de 2016

Pôr do Sol em si

      

Como o tempo não é uma ideia séria,
não é lamento
nem tristeza também.

Ao lado da bandeira   
quase em posição de sentido,
o braço do coração
parece acariciar a Pátria.

Compõem a cena
o vestido colorido
a face esmaecida
e sob as lentes,
os olhos
da certeza e do cansaço.

Eu me aproximo,
e os vejo,     
e só de bem perto,
e com a plenitude dos sensitivos,
emerge a explosão no cérebro.

Há uma década
ou quem sabe duas?
Ainda ouço os acordes finais
do Hino Nacional.
O sorriso da pose.
completa a imagem. 
                                                                                                                               
Não há tecnologia
que restaure o momento,
em que o sol não mais alcance,
daquele peito acelerado
pela emoção do orgulho.

O tempo apagou a luz
e ninguém mais ouvirá o que eu conto,
porque talvez não esteja aqui.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

E = M C ²


Palavras escapam-nos:
boas palavras.

Há as repetitivas.
Perdem a força.

As chatas nos incomodam:
as nossas verdades
as dos outros.
Crescem entre nossas pernas.

Juntemos as palavras
desestruturemos as convicções;
surge a estupefação.
São as pessoas em torno,
donas das palavras antíteses,
que provam o impossível.

quarta-feira, 4 de maio de 2016

CÉU COM NUVENS



Olhar pros lados,

nem embaixo

nem em cima,

enxergar,

sentir a vida

traspassar-me,

ouvir as gentes

ser um igual.



Tenho feito mágica

pra sorrir

pros meus amores.

terça-feira, 3 de maio de 2016

OS URSOS E NÓS OU VICE-VERSA


O urso pardo, no final da tarde, recostado numa grande pedra ainda quente pelo sol, alisava o barrigão.

Com ele, falava aos berros outro urso também corpulento que cultivava uma barba densa e dourada. Era vaidoso, tinha o porte elegante, quase 3m e pesava cerca de 300kg. Bem-apessoado. E ele ruminava as frases: você comeu quase tudo, o dianteiro e o traseiro, nem esperou assar direito o cabrito, um cabritãozão.

Eu estava morrendo de fome, retrucou o pachorrento. Pode comer toda a sobremesa. Se você jantar a carcaça com esse coelho gordo que você trouxe, vai ficar igual ao que eu comi. Talvez até mais.

Cara-de-pau, sobrou só um pedaço da carcaça, quase sem carne e crua. Gosto é de assado, bem dourado. O coelho está como eu trouxe, no pelo ainda. Vou ter que esperar assar. Não é justo: eu cacei e estou com mais fome que você estava, porque eu corri atrás dos bichos, eu fiz a força. Você merece uma porrada bem dada.

É?! Mas você não é macho pra isso. Está fraco, com fome, cansado e sabe o que mais, vou pra minha gruta e dormir por sete meses.

Não vai mesmo, respondeu com uma bocada na barriga do companheiro. Os dois não cresceram juntos, se é que adiantaria, um veio do Alasca e o outro da Sibéria. A família do urso pardo está espalhada pelo planeta. Vive também nos Estados Unidos, México e China. Mas isso não interessa agora.

O urso caçador urrava frases ameaçadoras. Foi a pior coisa do mundo eu hoje topar com você! Você mata nossos irmãos para tomar-lhes a caça e até as mulheres. Finge que protege os desvalidos, que se importa com os mais fracos. Mata e rouba os nossos iguais pra não caçar. Ladrão! Cretino! Só pensa em você! Não respeita o espaço dos outros, fascista!

O outro ficou de pé. Tinha por baixo uns 4m e pesava 500kg ou mais.

Previu o que aconteceu? Pois ele abraçou o barbudo e abocanhou-lhe um baita pedaço da pata esquerda. Essa bocada não o matou, mas foi moral. O antagonista recuou.

Ah, ele não comeu o naco da pata do irmão. Cuspiu-o e foi embora para a gruta. Estava com muito sono.

Assim como os ursos, bem diferentes de nós, as pessoas andam mal-humoradas. Os diálogos rancorosos viram bate-boca. Dão origem a troca de ofensas, às vezes, até troca de bofetões e cusparadas. Está difícil acatar a opinião contrária à nossa.

A imunologia do brasileiro anda em baixa. Ele precisa de outra proteína agregada à H1N1. Melhor seria H1N1C1. Precisa-se de urgente civilidade. Afinal, somos os racionais.

“Por Deus, pela minha família”, por?

Por que não pelas minhas tênues convicções?